Sicredi Novos Horizontes Itaí
Carlinhos Barreiros

AVES APAIXONADAS

Conversando com Lenerô, minha vizinha de muro traseiro, fui por ela informado que as avezitas sumiram por se encontrarem em fase de acasalamento.

Estou cansado de colocar frutas no comedouro de aves do meu quintal e nada. Sumiram. É um tal de banana apodrecer e ficar preta, mamão rosadinho virar gosma negra e laranja secar os baguinhos até a exaustão. Nada. As aves do comedouro desapareceram. Cadê meus sanhaços, meus canarinhos, meu bem-te-vi (esse é um só), meus sabiás e até os primos-pobres, os pardais? Só alguns dias atrás vim a saber que as safadinhas estão em outro tipo de “comedouro”.

Comentando o assunto com a Lena dos Santos, a Lenerô, minha vizinha de muro traseiro, fui por ela informado que as avezitas sumiram por se encontrarem em fase de acasalamento. Ou seja: só pensam naquilo. Aves no cio. Lena me disse que do comedouro dela (do outro lado do muro), com fonte e tudo,  elas também sumiram. Como num passe de mágica. Bye, bye blackbird, já profetizava a canção de Henderson & Dixon em 1926.  

Quedei–me pasmo com a informação. Nem sabia que as aves também entravam no cio. E um bem longo, por sinal. Pois já faz mais de um mês que a Lena me contou e já fazia um mês antes e até hoje nada. Marasmo no bandejão das aves. As atividades sexuais, se existem, acontecem em locais bem mais decorosos e escondidos. Quem sabe no alto dos ipês da Lena. Na moitinha de murta. Nos recônditos escuros do meu salgueiro-chorão. Quem sabe atrás da fonte. Sei lá. Tenho andado de olho, mas nada. Essas aves parecem até mulher traindo o marido na surdina: nem rastro!

Mas eu insisto: mamão picado, banana fatiada, goiaba sem semente e pão de forma esfarelado para os pardais. Cheguei a comprar até um certo tipo de alpiste para aves que não comem frutas e joguei na grama. Nada. Comedouro em recesso eterno. Até o come-come da Natureza se exaurir, é óbvio. Daí elas voltam. Espero.

Nessa situação, não pude deixar de me lembrar da canção de Cole Porter, “Let´s Do It” (Vamos Fazer Aquilo), que fala em seus versos que todos os seres vivos da Natureza “fazem aquilo”. Até as inocentes abelhinhas, quem diria. A música foi lançada inicialmente no musical da Broadway “Paris”, de 1928; ganhou vida própria pelo encanto de sua melodia e singeleza (safadeza) de seus versos e foi gravada por cantores do mundo inteiro. No Brasil, em 2002, ganhou uma divertida versão em dupla com Chico Buarque e Elza Soares que foi até abertura de novela da Globo. 

Como nós, seres humanos, homens, mulheres, gays e trans não temos períodos regulares de cio, não posso deixar de me perguntar aqui, num insight filosófico, se isso seria uma bênção ou uma maldição. Amaldiçoados desde a expulsão do Éden, vivemos num estado constante de excitação, o cio eterno e supremo. Eu gosto e quero mais. E você?