Palhaço assombra a América
Domingo a noite fiz aquilo que todo mundo está fazendo no planeta atualmente: fui ao cinema assistir “IT – A Coisa”, longa baseado no best-seller de mesmo nome de Stephen King, lançado originalmente no longínquo ano de 1986, quando éramos todos jovens, bonitos e ainda acreditávamos em alguma coisa.
Casa cheia, plateia lotada. Molecada em ponto de bala com baldes de pipoca tamanho-monstro e os inevitáveis casais de namorados, que são quem vai ao cinema atualmente. O trailer do filme, lançado na net há cerca de 2 meses, viralizou: teve 200 milhões de acessos num só dia, travando a internet e aumentando as expectativas em relação ao filme, que já tivera uma adaptação meia-boca no formato de minissérie para a TV nos Anos 80.
O IT atual prima pela chuva de dólares que vem provocando ao redor do mundo. Realizado com a mixaria (para os padrões atuais hollywoodianos) de 35 milhões de dólares, já rendeu, em apenas 10 dias, no mundo inteiro, 400. Tirou “Annabelle – Criação” que estava em primeiro lugar nas bilheterias e deu-lhe um verdadeiro banho do que é ser sucesso com S maiúsculo. Surpreendeu até os próprios estúdios que o financiaram, a Warner e a New Line. A enxurrada de verdinhas, que está apenas no começo, fez com que IT ultrapassasse, em bilheteria, alguns medalhões gloriosos do ano, tipo A Múmia, os novos Transformers, Piratas do Caribe, Planeta dos Macacos, Carros 3, Kong – A Ilha da Caveira. Essa semana deverá passar Velozes & Furiosos e Logan e por enquanto é o oitavo filme mais rentável do ano nos mercados americano e canadense e está só subindo. É a trilha sangrenta de Pennywise, o palhaço da trama rumo ao topo. Nunca um filme de terror chegou tão longe.
Mas a renda poderia ter sido maior. A censura americana classificou a obra com o temível “Rated X”, algo assim como “Proibido para menores de 14 anos” o que tirou a molecada menor das cadeiras dos triplex. Sangrento e violento até o talo, no entanto, nada parece tirar o fôlego de IT frente às plateias. Pennywise pode ter mais dentes que um tubarão, mas também é conhecido como "O Palhaço Dançarino”. Fôlego não lhe há de faltar.
Li o livro de King, com suas mais de mil páginas, pela primeira vez, no início de 1988, na antológica edição dupla da Francisco Alves com o spoiler nas capas. Depois, em 2000 (com a capa preta), lançado pela editora Objetiva e finalmente em 2014 de novo, com a capa nova (e mais bacana) da Suma. É o maior épico de horror jamais escrito, dividido em duas partes: a meninada e os adultos, 28 anos depois. Na primeira, King pinta os horrores da vida cotidiana do “Clube dos Perdedores” - seis meninos e uma menina - como bem piores que os dentes afiados de Pennywise, com descaso familiar, bullying, abuso sexual, super-proteção e outros males familiares. O filme do argentino Andres Muschietti foca apenas nessa fase pré-adolescência de seus personagens, ficando a fase adulta deles para a sequência (daqui a 2 anos) quando A Coisa desperta depois de 28 anos e volta a se alimentar (de preferência, de criancinhas ou jovens).
Cenas cruciais do romance ficaram de fora da obra de Muschietti, por problemas de orçamento (mas grana é o que não deverá faltar para a sequência): a chegada da Coisa, na pré–história do planeta, vinda dos confins da estratosfera num rastro de luz roxa – sim, A Coisa não é um palhaço nem um leproso, mas uma energia maligna expulsa do Universo e avistada numa brevíssima cena quando Pennywise escancara a goela cheia de presas e uma luminosidade doentia arde lá dentro – ou a cena do assassinato do homossexual em Derry, espancado numa ponte e lá de cima atirado por homofóbicos diretamente para os braços do palhaço embaixo.
Imagino que a sequência em 2019 irá render muito mais dólares que esta parte inicial, primorosa na construção da trama, na evolução de seus simpáticos personagens e comedida em seus sustos, que, se existem, fazem parte do enredo. O “Clube dos Perdedores”, ou dos Otários, com sua molecada corajosa, vai deixar saudades. Mas com certeza estarão todos de volta, em flashback, na sequência milionária que vem por aí.
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