Sicredi Novos Horizontes Itaí
Carlinhos Barreiros

Ritinha e o Boto

Outros personagens gravitam na trama, muito bem amarrada, por sinal: além da pérfida Cruela Magrela, tem outra compridona, a Viciada, que só joga, perde e esconde o vício de todo mundo!

Ritinha do Pará, rapariga de modos e atos um tanto suspeitos, se diz filha do boto.
No que pese ao povo brasileiro sua péssima genética na hora de escolher os governantes, em qualquer nível de esfera, a raça padece ainda de outro mal: seu indisfarçável apego às novelas.

Foi assim sempre, desde a famigerada “O Direito de Nascer”, em ondas sonoras. Até eu, quando morava em São Paulo, capital, nos distantes Anos 70 do século passado, no tempo em que a TV ainda era em preto e branco e o HD e a tela grande um sonho de vanguarda, pegava-me ansioso todas as noites, grudado na telinha, para acompanhar os perrengues de Cristiano e Simone, na histórica “Selva de Pedra”, de Janete Clair, na Globo de antigamente. Junto comigo, na sala de estar da pensão ode ficava a televisão, Emerenciana e Emengarda Prado Café, gentis senhorinhas da velha guarda paulistana que alugavam quartos de seu casarão na Augusta, remanescente da época áurea do café, a jovens bem apessoados e de fino trato, feito este que vos escreve.

Como tudo tem que mudar para permanecer a mesma coisa, a onda agora é a novela das 9, saudada por críticos e saudosistas de plantão como A Salvação da Lavoura, dados seus altos índices de aceitação no horário, sempre ultrapassando os 30% no Ibope (no tempo da Selva era 100%, algo inimaginável hoje em dia, com todo tipo de mídia alternativa mordiscando a já minguada audiência da emissora carioca).

Então, às 9, toda noite, Ritinha do Pará, rapariga de modos e atos um tanto suspeitos, se diz filha do boto, mitológica criatura noturna do folclore nortista que em noites de lua cheia abandona sua forma de peixe transforma-se em belo mancebo e sai por aí seduzindo jovens inocentes e desavisadas, deixando-as quase sempre embuchadas enquanto volta para o rio. Pois Botinha, no começo da novela, estava prometida a um tal de Jeca, caminhoneiro grosseirão de modos rudes e tacanhos, um ignorantão total. Prenha do brutamontes, Botinha encanta-se pelo playboy carioca Ruim, que a seduz prometendo-lhe casa no Rio (de Janeiro). Com o casamento desfeito no dia e hora, Botinha e Ruim fogem para o Rio (de Janeiro), onde deverão enfrentar os outros personagens da novela, claro, em especial a mãe do moço, Cruela Magrela, que não engole a nora esquisita e que um dia já foi comparada a Sophia Loren (de fato, o branco dos olhos das duas é idêntico!).

Outros personagens gravitam na trama, muito bem amarrada, por sinal: além da pérfida Cruela Magrela, tem outra compridona, a Viciada, que só joga, perde e esconde o vício de todo mundo! Queria ver ela enfrentando a Lúcia Maluly, nossa Rainha da Caxeta, recordista nas mesas de jogo deste lado pobre do Estado e todo o norte rico do Paraná. Aprendi a jogar caxeta com a Lúcia Maluly e sinto-me honrado com tal deferência. Não pode existir mestra maior na arte do carteado. Outro dia, em Lapão, na Bahia, jogando com uma galera de rapazes novinhos, fui logo avisando que minha professora no assunto tinha sido a Lúcia Maluly. “A melhor no assunto”, insistí, e todos riram e debocharam de mim, pois não conhecem a turca que já derrotou os melhores no pano verde quando isso aqui ainda era A Princesinha da Sorocabana e não essa miséria esfarrapada que o bom médico nos legou. Bem, quando meus ganhos chegaram aos 800 reais e os deles nada desistiram e erguemos todos um brinde à agora famosa Lúcia Maluly, Rainha do Cacheta, da Canastra, do Buraco e do 21 também.

Ah, a novela, claro: bem tem ainda a Maria Zé-Aldo, loura raçuda e PM nas horas vagas que luta na gaiola do MAM e não paga pau pra macho, o adolescente maluquete que faz cosplay e vive fantasiado de Goku (personagem de Power Rangers), o Rubinho do Pó, que paga de Pai e Marido do Ano mas é traficante virtual e os favelados do Pará (a mãe da Botinha, senhora tresloucada e interesseira que jura ter dormido com o Boto e o pai e tia do Jeca, que vivem invocando a esposa do cavalo a toda hora e comendo pratos típicos que dão vontade de vomitar).

Para não dizer que não falei das flores, e como toda novela tem que aparentar um approach “sério” para  demonstrar que não passa de pura perda de tempo em frente a TV, o osso aqui ficou com o espinhoso/modernoso tema “trans”, com um motorista-travesti em cena, o Nonato Elis-Miranda (que tem mais cara de Cícero do que das falecidas cantoras quando se monta) e a mocinha dondoca milionária, a desengonçada Jaburu, que tem ódio do  próprio corpo, usa faixa apertada para esconder os seios e roupa masculina e até agora “não sabe quem é”, desfilando seu conflito sexual em despojadas tomadas na orla da praia do Leblon, geralmente no pôr do sol, em elaboradas cenas que não fariam feio em um comercial de havaianas.

Dizem que até o final da novela Jaburu vai virar garoto, com peito cabeludo, panturrilhas com pelos, gogó, tatuagens e barba cerrada, tipo a notória Thammy, agora senhor Tâmio, filho (a?) da famigerada Gretchen. Novela pode não ter nenhum valor cultural, por mais que seus autores pensem que são Dostoyevsky, García Márquez ou Proust. Mas que diverte, diverte! Égua!

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