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Qual o preço da aliança entre trono e altar?

De acordo com a Bíblia, Deus envia sol e chuva sobre todos, justos e injustos.
Jair Bolsonaro recebe bênção de Edir Macedo durante culto. Foto: Reprodução YouTube/Bispo Edir Macedo

Pastor critica aliança entre trono e altar: "Isso é cooptação"

A pergunta foi levantada pelo pastor André Mello, da Igreja Presbiteriana da Aliança, em um texto que circulou pelas redes após o governo federal estudar a concessão de subsídios nas contas de luz para templos religiosos chama a atenção pelo seu conteúdo e a colocação bem forma primordial que abrange o assunto.

Sendo assim, acredito ser interessante republicar seu riquíssimo texto onde ele, André Mello chamava a proposta de "pecado sem tamanho"... segue:

"Em primeiro lugar, viola-se a Lei de Deus. De acordo com a Bíblia, Deus envia sol e chuva sobre todos, justos e injustos. Igualmente, nas Escrituras, nos Evangelhos e Epístolas não há nenhum tipo de brecha para as imunidades e incentivos governamentais às Igrejas. Pelo contrário, Cristo mandou dar a César o que é de César (suas moedas e recursos) e a Deus o que é de Deus."

Embora a proposta tenha sido engavetada por Jair Bolsonaro, o posicionamento revelou o descontentamento de parte do protestantismo com a chamada aliança entre trono e altar. "O protestantismo, desde o século 17, escreveu em diversas confissões de fé, e fez constar nos estatutos constitucionais de alguns países, que o favorecimento de uma determinada religião, ou denominação eclesial, em detrimento de outras é diabólico. Diabolos é aquilo que divide", escreveu.

O reverendo André, como é mais conhecido, afirma que a posição majoritária do protestantismo histórico sempre foi de independência absoluta entre Igreja e Estado — uma conquista, lembra ele, com mais de 500 anos, desde a Reforma Protestante de Martinho Lutero (1483-1546).

Essa posição, diz, tem sido revisada e transformada "numa coisa sui generis, uma teocracia brasileira". "Aprendemos na história dominical que essa aliança tem nome: cooptação da Igreja pelo Estado".

O reverendo critica a transformação de púlpito em palanque e diz que falta memória e referência para boa parte das lideranças religiosas sobre as lutas movidas desde o Império, quando a Constituição de 1824 conferia ao catolicismo apostólico romano a posição de religião oficial. "Isso não termina bem".

"Quando determinado grupo assume o Estado, começa a promover uma série de injustiças, e essas injustiças são pecaminosas. Quando não conhecemos a história, estamos condenados a repeti-la."

Segundo ele, existe dentro do meio evangélico um grupo com um projeto claro de poder: a Igreja Universal do Reino de Deus. Um modelo, afirma o reverendo, copiado de perto por um dos ramos da Assembleia de Deus.

"A Universal não representa a maioria numérica dos evangélicos, mas representa, quando se pensa na política institucional, no uso da mídia e das plataformas políticas, e agora com um novo partido, um projeto bem diferente. É um projeto de visibilidade, marketing, presença institucional marcada, inclusive, por uma arquitetura monumental."

Mello diz desconfiar se os "políticos que estão entrando nisso têm noção do que estão fazendo".

"O político pensa na próxima eleição, mas a longo prazo tem suas agendas. E essa agenda política não é agenda religiosa. Bispos e pastores precisam tomar mais cuidado. O risco é trazer para a comunidade a polarização da política."

Esse cuidado, afirma, exige lembrar que dentro das igrejas existem diversos grupos e correntes de pensamento — empresários e trabalhadores, direita e esquerda. "O fiel vive em sociedade. Ele não é só religioso ou católico."

O reverendo defende que as igrejas devem ocupar o centro e reafirmar seu papel mediador em conflitos sociais e familiares. "Ninguém exerce essa mediação, de religar, quando se deixa cooptar", diz.

Associado ao movimento Livres, grupo de liberais que deixou o PSL quando Jair Bolsonaro se filiou à legenda, André Mello não cita o nome do presidente em nenhum momento das quase duas horas de conversa com o blog. Mas a oposição a projetos-base do bolsonarismo, como o armamento e os ataques a artistas e intelectuais, é clara.

Para ele, há uma contradição nos apelos por um superEstado, com uma polícia treinada, e a desconfiança de quem prefere se armar para se defender.

"Não se constrói uma cultura de paz com pressupostos armados. A experiência que se tem, com mediação da igreja em locais onde existiam conflitos, como Angola, Moçambique e Colômbia, é o chamado ao desarmamento. Senão, a luta persiste. A escritura diz que as espadas precisam ser transformadas em arados."

Formado em jornalismo, o pastor é integrante de grupos de jornalistas e cientistas cristãos dedicados a desmentir, voluntariamente, boatos que correm no meio religioso — de discos rodados ao contrário até a história de que o ex-presidente Lula pretendia se tornar pastor evangélico e construir uma das maiores catedrais do Brasil.

Sobre eventuais ataques sofridos por suas posições, o pastor diz que não nada contra a corrente porque nenhum ser humano pode ser enquadrado em "caixinhas".

"Mesmo quem você acha que está dentro de uma bolha, no fundo não está. A pessoa não foi formada ali. Ela tem laços, vínculos, histórias com desdobramentos inesperados. Temos contradições e potencialidades. Para usar uma linguagem evangélica: temos sempre uma esperança de não sermos aquilo que as pessoas disseram que a gente foi. É a mensagem do evangelho: tudo pode ser novo. Senão, não há esperança."