Sicredi Novos Horizontes Itaí
Carlinhos Barreiros

AMORES PERROS

perro: do mexicano: cachorro

Imagem Ilustrativa
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Faz tempo que penso em botar esse texto no papel, mas nunca me animei muito. Talvez por escrever várias vezes sobre bichos, achei que poderia ficar um tanto repetitivo. Cansativo, no mínimo. E fui deixando.

Mas textos que não vão pro teclado ficam ruminando na cabeça de seus autores, como se tivessem vida própria. Fetos latejantes e pulsantes de palavras, pelejando para sair. Uma aberração criada pelo seu autor e que apenas a transposição para o computador pode matar.

E assim, espremido esta semana pela minha editora em busca de uma história que eu ainda não tinha escrito, e com o prazo quase esgotado, voltei-me ao texto encalhado com algumas expectativas, que era só o que eu tinha. Depois vocês me dizem se valeu a pena.

No mês de dezembro, tendo que viajar para uma cidade por aí, amanheci com os céus despejando sobre minha cabeça. O ônibus saía às seis horas, eu, como bom mineiro, tinha me levantado às 4h30. Mas o temporal não dava tréguas. Trovões e relâmpagos faziam da madrugada escura e molhada um cenário de filme de horror. Cabruuuuuuuuuuum!!! rolava o trovão no céu, um depois do outro. Tomei banho, café, peguei o guarda-chuva e sentei na sala, esperando a chuva passar. Não passou. Às 5h30, achando que não dava mais para esperar, fechei a casa e saí debaixo do aguaceiro, me atrapalhando bastante com mochila, chaves do portão, guarda chuva e jaqueta. Na rua, uma surpresa agradável me esperava.

Bem do lado do portão, me olhando com simpatia, e bem mais molhado que eu, um cachorrinho me avaliava. Devo ter passado na prova, pois ele logo sorriu para mim e soltou um ganido débil. Abaixei-me, com guarda chuva e tudo para coçar entre suas orelhas brancas e ele, em retribuição, me fez bastante festa. Como costumo conversar com os bichos, perguntei-lhe o que ele fazia ali tão cedo e informei-o de que estava descendo, pois iria viajar. Ele me mirou bem e espirrou, decerto aquiescendo, e começou a descer na minha frente a longa via crúcis molhada e sem táxi, até a rodoviária.

Branquinho, de tamanho pequeno mas coração grande, me acompanhou até o local de destino. Uma companhia maravilhosa, que agradeci silenciosamente aos deuses, como se um guardião anti chuva tivesse sido posto à minha disposição. Várias vezes no trajeto pensei tê-lo perdido. No hospital, por exemplo, Branquinho parou para dar um alô aos cachorros de rua idosos que se abrigavam da chuva por lá. Quando chegamos naquela lanchonete perto da rodoviária, comprei duas coxinhas quentinhas e dei ambas para meu amigo, que comeu tudo, já que parecia estar com bastante fome. Na própria rodoviária, o perro foi xeretar com os cachorros que moram por lá, tudo numa boa, sem latidos, rosnados ou raiva.

Amanhecia. A chuva deu uma parada. Outros seres humanos chegavam por ali, apressados. Meu ônibus encostou. Como se entendesse o recado, Branquinho imediatamente enfeitiçou-se pelas pernas compridas de outro passageiro que transitava por ali, acompanhando-o feliz, abanando o rabo e arregaçando os bigodes no seu melhor sorriso simpático. Ao subir no ônibus, dei uma última olhada para meu companheiro de madrugada e agradeci sua presença maravilhosa ali naquela manhã tão feia, que já ganhava contornos de cores.

Nunca mais o vi por aí. Às vezes me quedo perguntando se ele realmente estava lá.