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Carlinhos Barreiros

O Canto das Sereias

Por Carlinhos Barreiros
Imagem ilustrativa - A Odisséia

Nos conta Homero, em “A Odisséia”, que Ulisses demorou dez anos até voltar para casa depois da guerra de Tróia. Idealizador do mítico Cavalo de Tróia, responsável pela queda da cidade, o herói grego sofreu os maiores percalços em seu regresso até o reino de Itaca, seu lar. No caminho de volta teve que enfrentar o cíclope uniolho Polifermo e as temíveis sereias, que enlouqueciam os marinheiros com seu canto infernal. Para salvá-los do naufrágio, Ulisses ordenou que se amarrassem ao navio com cordas e tapassem os ouvidos com cera, para que não ouvissem os fatídicos apelos do canto das quimeras. Bem, Ulisses até passou por elas,  mas acabou aportando na ilha de Circe, a feiticeira, filha de Hélio, o Deus-Sol, que transformou todos os seus homens em porcos, poupando apenas o chefe, a quem tomou como amante. Mas deixemos Ulisses e seu demorado retorno para lá e nos concentremos nas modernas sereias, ou seja, as atrizes de cinema ou teatro. Nem todas cantam, mas aquelas que o fazem, quando precisam ou querem, fazem bem. Jamais serão uma Celine ou uma Barbra, mas quebram o galho.

Reportemo-nos aos longínquos Anos 50 do século passado, na Itália: Silvana Mangano, a grande estrela da época, casada com produtor Dino de Laurentis estrela o filme “Arroz Amargo” (1949), que décadas depois viraria um clássico. Silvana aproveita e solta a voz no tema do filme, “Nego Zumbon”, que ficaria conhecido internacionalmente como O Baião de Ana. Sucesso absoluto, nas discotecas e baladas de antanho! La Mangano parece ter tomado gosto pela coisa porque anos depois gravaria a romântica balada “Non Dimenticare”, que também estourou e foi regravada até pelo Nat “King” Cole.

Outra italiana famosa, Sophia Loren, também gostava de cantar. E não é que Sophia sempre cantou direitinho? Chegou até a gravar LP, aquelas famigeradas bolachas pretas de vinil com seis músicas em cada lado.

 

 

Em sua fase americana, levada a Hollywood pelo marido, o produtor Carlo Ponti, os diretores a botaram para soltar a voz em vários filmes: fez bonito com a divertida “Bing!Bang!Bong!” ou a melosa “Almost in your Arms”, ambas na trilha sonora de “Houseboat” (Tentação Morena, 1958), quando a italiana se declara a Cary Grant, que queria se casar com ela na vida real. No romântico “Aconteceu em Nápoles” (1960), ao lado de Clark Gable, Sophia sobe ao palco e dá um show, cantando e rebolando a divertida sátira pós-guerra “Tu Vo Fa L´Americano”, coverizada anos depois por Matt Damon e Jude Law no admirável “O Talentoso Ripley” (1999), mas sem o charme de Sophia, claro. La Loren ainda dançaria (sem cantar) o hit de Rosemary Clooney “Mambo Italiano” em “Pão, Amor e ....” (1953) de Vitorio de Sicca e em 2009 estrelaria o musical “Nine”, onde faz a mãe de ninguém mais ninguém menos que Federico Fellini, interpretado no filme por Daniel Lewis.

Bom lembrar que as outras atrizes de “Nine” também cantam: Fergie (vocalista da banda pop Black Eyed Peas),  Penelope Cruz, Kate Hudson, Marion Cotillard e Nicole Kidman, de quem falaremos em seguida. Mas Sophia encanta no delicado “Guarda La Luna”, dedicada a Fellini, ops, Daniel Lewis, seu filho no filme. A bomba-loura Marilyn Monroe, a maior atriz de todos os tempos também cantava e bem: começou no pop, na sexualizada “Teach me Tiger” que depois virou clássico com o cover de April Strevens em 1959. Na tela grande cantou e encantou em “ Diamonds Are A Girl Best Friends”, de “Os Homens Preferem as Louras” (1953) ou no divertido e eletrizante “My Heart Belongs To Daddy”, de Adorável Pecadora (1960). Marilyn também gravou LPS mas ficou notória mesmo e entrou para a cultura pop ao sair do bolo e cantar “Parabéns Pra Você” (Happy Birthday To You), na Casa Branca, para o seu então amante, o presidente John Kennedy.

Atualmente não tem muita atriz-cantora não. Cantora que depois vira atriz, tipo Madonna ou Barbra Streisand, não vale aqui. Uma das poucas exceções é Nicole Kidman, que começou encantando e cantando no musical “Moulin Rouge” (2000), de Baz Luhrman, onde interpretava Satine, a prima-dona do cabaré. Anos depois, Nicole, ao lado de Robby Williams regravaria o clássico “Something Stupid”, imortalizado por Frank Sinatra e sua filha Nancy nos Anos 70, fazendo bonito e trazendo a linda canção de volta às paradas de sucesso. Como já foi dito um pouco antes, Kidman ainda brilha em “Nine”, onde redefine a personagem que foi de Anita Ekberg (que não cantava) em “La Dolce Vita”, de Fellini.

Para terminar em grande estilo, um toque nacional: a grande Marília Pera, que nunca foi de cantar muito, encarou o microfone no show “Elas Cantam Roberto”, há quinze anos atrás, soltando sua vozinha na complicada “120 ... 150 ... 200 Km por hora”, que não é pra qualquer um. Como Marília não CANTA mas INTERPRETA o hit do Rei, com grandes doses de dramaticidade, o que foi que aconteceu? O Teatro Municipal de São Paulo, onde o show foi gravado, veio abaixo em aplausos prolongados de mais de dez minutos, enquanto Marília deixava o palco.

BRAVO!!!

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CARLINHOS BARREIROS:

É professor, jornalista e escritor. Atuou em Piraju nos jornais “Folha de Piraju”, “Observador” e “Jornal da Cidade”, sempre como cronista ou crítico de Cinema/Literatura. Publicou o livro de contos “Insânia: O Lado Escuro da Lua” (esgotado). Em 2006, foi o primeiro colocado no Concurso de Poesias, Contos e Crônicas da FAFIP (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Piraju) com o conto “Sade no Sertão”.

Atualmente, revisa os originais de seu livro de contos ainda inédito, “Freak Show”. Mora em Piraju, onde contribui eventualmente com a imprensa local com crônicas/contos e agora valoriza o site farolnoticias.com.br com seus comentários imperdíveis.

Seu ensaio sobre a contracultura em Piraju nos Anos 60 e 70 do século passado: “Eu, Carlinhos Barreiros, drogado e prostituído” foi publicado com sucesso no blogue da USP (Universidade de São Paulo), do jornalista Luciano Maluly, ficando no top dos Mais Lidos por várias semanas.

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