Sicredi Novos Horizontes Itaí
Carlinhos Barreiros

Polvo, Ceviche & Panceta

Por Carlinhos Barreiros
Imagem ilustrativa

Certa vez, há um tempo atrás, pertenci a um grupo. Grupo de WhatsUp. Meio pequeno, com pouca gente, nada parecido com aqueles grupos de mil pessoas que vivem procurando radar da polícia para desviar e passando informações para os outros. Ou outras variações dessa. Esse grupo em que me “entraram” era mais uma coisa entre amigos mesmo e não uma grande tribo.

Mas não deu certo. Não curti. Viviam me acordando cedo com giffs de passarinhos trinando, xícaras de café da manhã sorrindo ou coisas do tipo “venha tomar seu café da manhã com Jesus”! Eu, como ateu confesso, ficava horrorizado! E eu lá quero tomar café com Jesus? Em último caso, numa improvável “segunda vinda” por que cargas d´água o salvador iria querer tomar um brunch comigo? Eu, se fosse ele, não iria querer.

Fui caindo fora. O resto ficou e está lá até hoje. Azar deles. Esse grupo, às vezes, se reunia para comer: sempre almoços, em casas variadas a cada encontro. Alguma dessas casas mais pareciam um cativeiro: sem iluminação, ventilação ou ar, fazendo o anfitrião passar vergonha. Isso sem contar a escadaria íngreme. Essa não dava nem pra botar lanchinho da tarde. Outras pessoas do grupo, geralmente mulheres metidas a madame, nem sequer ofereciam a casa porque “meu marido não gosta” desse tipo de coisa. Então tá. A vítima, então, era sempre quem tinha a casa mais bonita, ventilada e com luz, espaçosa, com telão e Alexa. Viram como esse negócio de grupo não presta?

Numa dessas ocasiões, a anfitriã da vez resolveu fazer uma surpresa e serviu polvo. Eu, como detesto a maioria dos frutos de mar (exceto camarão, lula, marisco e cação) fui logo fazendo cara de nojo e recusei-me a comer aquele molusco nojento, cheio de tentáculos e ventosas escorrendo um molho escuro. Me deu vontade de vomitar ante prato tão indigesto. Os outros convivas fizeram aquela cara: “nossa, como ele é caipira” e deram sorrisinhos falsos e compreensivos (“coitado, como ele é pobre”) quando pedi para trocar o abominável polvo por um omelete feito na hora. Assim se fez, o ser abominável das profundezas do oceano servido com vieiras virou ovo e todo mundo ficou satisfeito. Ah: as vieiras eu comi com gosto.

Na outra vez, uma das matronas do grupo resolveu levar seu próprio prato, uma coisa chamada ceviche da qual eu nunca tinha ouvido falar. Muito menos comido. A tal senhora ficou anunciando a iguaria semanas antes, deixando todos com água na boca e muita expectativa. Quando chegou a hora de experimentar: pânico na mesa de almoço! Corram que o Master Chef vem aí! Que coisinha mais horrorosa! Aquilo que era o tal do ceviche, a grande iguaria da cozinha chilena? Ou será peruana? Um mexidão aguado, do qual provei uma garfada e fui logo, discretamente, cuspindo no guardanapo aquela coisa mais ruim. A dona da casa onde transcorreu essa tragédia culinária me confidenciou, algum tempo depois, que ceviche é bom quando bem feito e que aquele estava muito mal preparado. Bom ou mau, nunca mais encarei tal coisa no prato e nem pretendo, já que costumo passar longe de saladas e coisas parecidas, que considero comida para coelhos.

Mas a “piece de resistence” ou a “cereja do bolo” dos almoços foi quando colocaram a glutona do famigerado grupo, viciada em comida e farta em quilos, a poucos centímetros da obesidade mórbida bem de frente para uma bela assadeira com uma linda e dourada panceta em cima, fumegante e exalando aromas que fariam qualquer vegano virar canibal na mesma hora. Ficou ali para dar uma esfriada. Conversa vai, conversa vem, a gente beliscando a grande variedade de entradas - enquanto a panceta esfriava – uma fatia de presuntinho de Parma aqui, um talo de asparguinho ali, um tiquinho de Brie para salgar a boca e quando chegou a hora de comer o prato principal, a tal da panceta, quando todos finalmente se lembraram dela, cadê ela?

Sumiu. Evaporou-se. Evadiu-se no ar. Sem deixar vestígios, só uns fiapinhos suculentos na travessa. Enquanto nos entretíamos com as entradinhas e os vinhinhos, esquecidos do prato principal, a comilona do grupo deu conta da peça inteira, sem qualquer resquício de arrependimento. E, sem nenhum pudor, ainda lambia os lábios besuntados de gordura!

 

CARLINHOS BARREIROS:

É professor, jornalista e escritor. Atuou em Piraju nos jornais “Folha de Piraju”, “Observador” e “Jornal da Cidade”, sempre como cronista ou crítico de Cinema/Literatura. Publicou o livro de contos “Insânia: O Lado Escuro da Lua” (esgotado). Em 2006, foi o primeiro colocado no Concurso de Poesias, Contos e Crônicas da FAFIP (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Piraju) com o conto “Sade no Sertão”.

Atualmente, revisa os originais de seu livro de contos ainda inédito, “Freak Show”. Mora em Piraju, onde contribui eventualmente com a imprensa local com crônicas/contos e agora valoriza o site farolnoticias.com.br com seus comentários imperdíveis.

Seu ensaio sobre a contracultura em Piraju nos Anos 60 e 70 do século passado: “Eu, Carlinhos Barreiros, drogado e prostituído” foi publicado com sucesso no blogue da USP (Universidade de São Paulo), do jornalista Luciano Maluly, ficando no top dos Mais Lidos por várias semanas.